segunda-feira, 30 de março de 2015

Dez anos da chacina da Baixada: o tráfico de drogas como modelo de desenvolvimento econômico para a região

Dez anos da chacina da Baixada: o tráfico de drogas como modelo de desenvolvimento econômico para a região


Por José Cláudio Souza Alves
Sociólogo, professor da UFRRJ
Seropédica, 30/3/15

Os 7 anos que separam a chacina da Baixada, em 2005 e a chacina da Chatuba, em 2012, nos dão uma certeza, enquanto a capital do estado conheceu índices decrescentes de homicídios, a Baixada, por sua vez, teve o lento declínio destes números interrompido em 2012, quando viu seus homicídios explodirem. Os seis garotos mortos pelo tráfico, de 2012 saudavam os 29 assassinados pelo grupo de extermino formado por policiais militares, de 2005 anunciando que o tráfico de drogas alcançava uma nova etapa, nas terras anteriormente controladas pelos Esquadrões da Morte. Abaixo, tabelas e gráficos expressam esta realidade.

Quando o Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, na audiência do Fórum Grita Baixada disse, em novembro de 2012, que não se podia provar, pelos índices, que os traficantes da cidade do Rio de Janeiro estavam migrando para a Baixada, em decorrência da política de UPPs, ele estava certo, mais pelo que não viu do que pelo que viu. Primeiro, porque a polícia ainda não havia colocado chip em cada traficante, para monitorá-los, segundo, porque o tráfico não migra seus integrantes. O tráfico de droga muda a sua forma de se organizar. 

Assim, o Novo Oeste formado pela Baixada foi sendo incluído nesta pioneira fronteira de desenvolvimento do crime organizado. É fácil de entender. Por exemplo, o Arco Metropolitano, que corta as terras da Baixada, irá
incrementar 1,8 bilhões a mais no Produto Interno Bruto, além de trazer investimentos da ordem de 3,4 bilhões, mas os agricultores à sua margem estão sendo varridos pelas empresas logísticas que substituem plantações por containeres. Os aterros sanitários em Nova Iguaçu e Seropédica, cujo odor rebatizaram o arco de Arco Metanopolitano, não só contaminam ar, solo e água, na avançada tecnologia de enterrar lixo, como subtraem 1500 empregos dos moradores do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, que por 30 anos desenvolviam sistemas de coleta e reciclagem de lixo e agora não possuem nem mesmo o antigo lixo para se alimentarem. Isto mesmo, o lixo também era fonte de alimentos. Para os nutridos, escolas públicas sucateadas, professores maltratados, sistemas de ensino totalitários reproduzem os menores índices de desenvolvimento escolar do país, mas caso eles próprios, seus pais e parentes necessitem de algum atendimento médico, enfrentarão estruturas da rede de saúde que multiplicam o número de órfãos, pais que perdem filhos e inválidos, numa contribuição permanente à desestruturação familiar.

Então o tráfico chegou. Um quilo de cocaína pura, ou mais ou menos pura, custa 6 mil reais. Colocando-se fermento para bolo ou talco e vendida no varejo, estes 6 mil transformam-se em 42 mil. Uma cápsula de cocaína comprada em favelas no Rio custa 20 reais. Ela é vendida na Baixada por 50 reais. Na operação, 20 reais vão para o vendedor no Rio, 20 para o dono do tráfico naquele local da Baixada e 10 reais fica com o vendedor. Até 2012, inúmeras áreas da Baixada conheciam o tráfico de drogas, mas era pouco organizado, controlado por jovens viciados ou não, que ostentavam sua grana em meio a festas e espaços sociais. Se quebravam e não pagavam a droga, renegociavam, aliavam-se a grupos rivais, sumiam e davam um tempo. A
questão é que isto foi mudando. As facções criminosas passaram a entender a Baixada como zona de reestruturação produtiva. Ela serve para abrigar os desabrigados pelas UPPs, manter o cara no esquema, mesmo que ganhando menos. Estimula a introdução de drogas mais baratas: a febre do crack, em grupos sociais que não se parecem com a clientela da Zona Sul. Útil para reduzir os custos da operação da droga. O radinho no Rio, a mil e duzentos reais por semana passa a ganhar 600 ou 400 reais na Baixada. Porém, a mudança mais significativa, nesta reengenharia, é a necessidade de se delimitar as novas áreas de controle , quem são os donos, a que facção pertencem e, sobretudo, não deixar dúvida alguma quanto ao que acontece com quem não paga, dá vacilo ou trai. Dá-se início à temporada de quebra geral, longe do glamour carioca, com sua classe média sensível, sua mídia monopolista e sua segurança pública alçada pelo iBope das UPPs, nas longas séries Amarildo e Cláudia.

Se os assassinatos tem no tráfico sua locomotiva, os traficantes não estão sozinhos como maquinistas. A grana movimentada não atrai, quase que inevitavelmente, apenas jovens, sem acesso à educação e à saúde, sem perspectivas de emprego, moradores de favelas e bairros pobres. A inseparável presença da polícia militar e civil, antes donos dos grupos de extermínio, que na chacina da Baixada vitimaram dezenas de pessoas para protestar contra as investigações que sofriam, agora anuncia-se mais forte. O filão de enriquecimento via arrego, extorsão, sequestro de chefes e de drogas, tortura e pedágios vão se multiplicando. O jovem é morto não só porque não pagou a droga, não prestou conta da venda ou foi surpreendido pela facção rival. Sua execução é o componente básico das negociações de preço entre polícia e traficantes, na composição do capital variável do crime. Quanto mais negra a pele, mais bárbaro o motivo, mais esquartejado o corpo mais alta ficam as apostas na bolsa de valores do comércio de drogas e seus correlatos: tráfico de armas, roubos de carro, de comércio e de casas e demais estratégias para se obter grana rápida e se pagar dívidas.

Histórias se multiplicam. Em uma cidade da Baixada, mais de 100 traficantes vão até a frente da delegacia, portando seus fuzis. Ali mesmo, uma assembléia com o delegado é realizada. A pauta é única: redução do preço do arrego que os traficantes pagam a ele. Em outro bairro, de outra cidade, mais de 20 pessoas são assassinadas em conflitos entre facções. A população indica à polícia o local do cemitério clandestino ali existente. Policiais cavam ao lado do local indicado, achando apenas 2 corpos. Operações do Bope multiplicam-se. Os números de mortos informados por moradores são incontáveis, para policia e mídia, ínfimos registros. Investigações policiais de homicídios reduzem-se a menos de 7,8 por cento dos casos. Mortos pela polícia seguem em processos na justiça como estando internados em hospitais, sem nenhuma atualização de dados.

Assim como ouro escorria pelos rios da Baixada, no período colonial e os trabalhadores pobres nos trilhos da central para multiplicar o ganho dos capitais na cidade maravilhosa, o tráfico de droga deságua seu sangue nas vielas que abastecem o delírio, o suborno e a viagem de poder dos que, em menos de um ano, nascem chefes e morrem indigentes. Na sucessão do progresso se pavimenta com os corpos as vias expressas do lucro metropolitano e as urnas eletrônicas que governam em nome dos verdadeiros donos. Um desenvolvimento que mostra seus frutos diários em redes sociais e telejornais, que nos enche de pânico, que nos faz defender os antigos matadores, que viram florescer a paz dos cemitérios que os elegeram e agora são saudosamente relembrados. Afundados no mais insalubre pântano, sobre o qual pistas de arcos suportam o tráfego da modernidade expressa, contamos as mortes em caminhões abarrotados, invejados pelos campos de extermínio nazistas. Enquanto UPPs enfrentam sucessos questionados e o secretário de segurança garante a tranquilidade do mega capital 2016, a Baixada segue como a mais nova vedete do crescimento econômico nacional, onde se investe no futuro de uma juventude sem futuro.


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